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No mês da luta indígena, Escola As Pensadoras oferta curso “Indígenas Mulheres: Territórios, Direitos, Movimentos e Políticas”

No mês da luta indígena, Escola As Pensadoras oferta curso “Indígenas Mulheres: Territórios, Direitos, Movimentos e Políticas”

“(…) a cor vermelha tem o significado de força e os povos indígenas possuem uma força espiritual muito forte”, explica-nos a professora e mestra Ana Manoela Karipuna, que ministrará o curso “Indígenas Mulheres: Territórios, Direitos, Movimentos e Políticas”, em abril, na Escola As Pensadoras. É no dia 19 do mesmo mês em que se homenageia o Dia dos Povos Indígenas no Brasil e, por essa razão, Abril Vermelho se tornou o mês da luta dos povos originários.

O movimento Abril Vermelho e Indígena é realizado há 19 anos, em que delegações de povos indígenas ocupam Brasília durante o mês em busca de ressignificar o Dia dos Povos Indígenas como marco da luta e resistência. É nesse mesmo período que acontece o Acampamento Terra Livre (ATL), berço de várias instituições e avanços na luta dos povos originários. Como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) no ATL em 2004, referência nacional do movimento indígena no Brasil, que une organizações regionais e indígenas.

Em 2022, foi de lá que várias candidaturas de indígenas mulheres foram lançadas, durante a Plenária das Mulheres Indígenas. É de lá também a criação da Marcha das Mulheres Indígenas. Como nos conta a professora Ana Manoela Karipuna, “É o momento que temos de tornar visível para o mundo as situações em que estão os direitos indígenas e reivindicar do estado atendimento às suas demandas. Este ano, estou com expectativas positivas. Pois, é a primeira vez em que um ATL ocorre com lideranças mulheres ocupando múltiplos espaços políticos de articulação de direitos”.

Em suas aulas, Ana Manoela Karipuna irá expor de forma mais aprofundada sobre as mulheres originárias, suas lutas e especificidades. Temas como gênero, geração, violações de direitos humanos, violências de gênero, mulheres no movimento indígena, mulheres indígenas na política, direitos das mulheres indígenas, entre outros serão debatidos no curso, que será dedicado às mulheres indígenas e “indígenas mulheres”.

Serão seis encontros, entre os dias 07 e 29 de abril, às sextas-feiras e sábados. Os participantes do curso terão contato e trabalharão com textos escritos por pesquisadoras indígenas e por pesquisadoras (es) não indígenas, mas que realizam estudos sobre temas relacionados às mulheres originárias e/ou seus povos.

O curso é uma das disciplinas do terceiro ano de formação de aperfeiçoamento em feminismos da Escola As Pensadoras. No total, o curso tem 200h de carga horária e apresenta e discute sobre o tema Feminismos e mulheres: entre Utopias e Distopias para outro Brasil, revisitando vários lugares, com estudos, questões e pesquisas desenvolvidas nas temáticas. Há a possibilidade de acompanhar o curso de forma síncrona (ao vivo) e assíncrona (através das gravações). As aulas ficam ainda disponíveis por 12 meses após o fim do curso.

No link abaixo há mais informações sobre o curso e inscrições:

Segue abaixo uma entrevista com a professora e mestre Ana Manoela Karipuna sobre Indígenas Mulheres:

As Pensadoras: Como é a sua relação com o seu povo?

Ana Manoela Karipuna: Sou indígena do povo Karipuna por linhagem matrilinear. Minha mãe é filha de pai e mãe Karipuna. Minha avó foi parteira, fundadora da aldeia e profunda conhecedora da cultura do nosso povo. Meu avô foi cacique e também fundador da aldeia. Ambos foram o casal que fundou a aldeia Santa Isabel, na Terra Indígena Uaçá, em Oiapoque, no estado do Amapá. Minha mãe sempre me ensinou que sou Karipuna, assim como seus familiares. Desde que nasci, fui criada na cultura, mesmo morando na cidade de Belém, no estado do Pará.

 

AP: Qual a importância do abril vermelho?

AMK: É um momento em que os olhos do mundo se voltam para as manifestações em defesa dos direitos dos povos originários no Brasil. A importância do Abril Vermelho consiste na luta que travamos pela defesa de nossas vidas e da vida de nosso território. Porém, não existimos, resistimos e lutamos apenas em abril. Para os povos indígenas, a luta pela vida se faz todos os dias. Em meu povo, a cor vermelha tem o significado de força, e os povos indígenas possuem uma força espiritual muito forte.

 

AP: Que significado as palavras tradição, herança e floresta tem na sua vida?

AMK: Tradição e herança significam para mim todos os conhecimentos que minha mãe me transmite sobre nosso povo e que ela aprendeu com a mãe e as tias. Os conhecimentos Karipuna que ela compartilha comigo são meus bens mais preciosos, e eles vêm de uma longa linhagem de mulheres Karipuna.

A floresta tem o significado do lugar onde minha mãe nasceu e cresceu, o Uaçá, nas margens do rio Curipi. Mas também significa o lugar onde estou tecendo minha trajetória como Karipuna e pesquisadora: o bioma Amazônico. Nós que vivemos na região amazônica sentimos cotidianamente os efeitos das mudanças climáticas, e esta é uma das pautas mais importantes para as mulheres Karipuna.

 

AP: Quais os malefícios à colonização e invasão das terras indígenas trouxeram para as mulheres?

AMK: O silenciamento dos conhecimentos, o silenciamento da língua, o genocídio, os estupros, os casamentos forçados e a separação dos povos de seus territórios.

 

AP: As indígenas mulheres sofrem mais preconceito?

AMK: As mulheres indígenas sofrem racismo, misoginia, têm seus corpos hiper sexualizados e estereotipados desde a colonização.

As mulheres indígenas sofrem racismo por serem indígenas e sofrem violência de gênero por serem mulheres. No caso das violências de gênero, elas podem ocorrer dentro e fora dos territórios. As lideranças mulheres no Documento Final da I Marcha das Mulheres Indígenas, redigiram um ponto, em que colocaram o quanto é importante existir legislações específicas que tratem da violência contra a mulher, atendendo as mulheres indígenas em suas especificidades. É uma especificidade diversa, pois, somos 305 povos no país. Então são mais de 305 maneiras diferentes de vivenciar a experiência de ser mulher dentro das nossas culturas. Por serem específicas, deve- se estar atento, pois, o que pode ser considerado violência para as não indígenas, pode não o ser para as mulheres de um povo originário. Mas isto não significa que aceitem a violência, é porque temos culturas e existências diferentes.

No caso de serem lésbicas e bissexuais, as mulheres indígenas também podem sofrer mais uma forma de violência dentro e fora de seus territórios. Pois, há casos de povos que sofreram tanto com a colonização que não aceitam práticas que não correspondam com a heteronormatividade dos corpos.

Mas, também observo que as indígenas mulheres podem sofrer violência por serem mães. Observo isto nas cidades, não nas comunidades. Principalmente quando são mães e estudantes ao mesmo tempo. Vejo isto, entre as parentas que são universitárias.

Por fim, as mulheres indígenas também sofrem violência quando tem seus territórios violados. Recentemente assistimos ao agravamento do genocídio Yanomami, em que parentas foram estupradas por garimpeiros e viram seus filhos, mais de quinhentas crianças morrerem por desnutrição. A invasão do território violenta as mulheres, porque é no território que se desenvolve todo o modo de vida de um povo indígena. Retirar o território, é retirar a própria vida desse povo.

 

AP: Qual informação falta à população em geral sobre os povos indígenas e principalmente sobre as indígenas mulheres?

AMK: Falta compreenderem os racismos que praticam contra os povos indígenas. Falta compreenderem que não somos povos apenas do passado e que não somos um estereótipo do que é ser “índio”. Falta compreender e respeitar que ocupamos e temos direito de ocupar múltiplos espaços dentro e fora dos territórios. Falta compreenderem que também somos cidadãos deste país, que temos direito de ter acesso aos mesmos serviços que os não indígenas. Falta compreenderem que também estamos tecendo o futuro do país e do planeta. Falta aos indígenas conhecerem as histórias dos povos originários.

 

AP: Qual o papel da mulher no seu povo, Karipuna?

AMK: No meu, diria que é transmitir o conhecimento dos mais velhos às novas gerações, ensinar a língua às crianças, preservar o território, respeitar aos encantados karuãnas e lutar por seus direitos. Nisto da cultura penso muito em minha avó, que já faleceu. Uma mulher que foi parteira, que participava dos rituais, que fazia cuias, grafismos, farinha, que contava as histórias, que tinha o conhecimento das plantas e que só falava na língua kheuol.

 

AP: Há comunidades indígenas lideradas por mulheres?

AMK: Sim, existem comunidades indígenas que são lideradas por mulheres. Mas, cada povo tem suas especificidades com relação aos modos como essas lideranças femininas exercem o seu protagonismo. Em meu povo as lideranças podem ser cacicas, vice cacicas, conselheiras, mulheres mais velhas e com muito conhecimento. No cenário político atual, o movimento indígena nacionalmente está sendo liderado por mulheres fortes, a exemplo de Sônia Guajajara no recente criado Ministério dos Povos Indígenas, de Célia Xakriabá que representa a bancada do cocar no congresso e de Joênia Wapichana, nossa primeira parlamentar indígena mulher e nossa primeira indígena presidenta na Fundação Nacional dos Povos Indígenas.

 

AP: Qual a importância do Acampamento Terra Livre?

AMK: O Acampamento Terra Livre (ATL) acontece anualmente durante o mês de abril. É um momento em que delegações de povos indígenas de todo o Brasil se reúnem em Brasília para tornar visível para o mundo as situações em que estão os direitos indígenas e reivindicar do estado atendimento às suas demandas. Este ano, estou com expectativas positivas. Pois, é a primeira vez em que um ATL ocorrerá com lideranças mulheres ocupando múltiplos espaços políticos de articulação de direitos. Ano passado foram mais de 200 povos e 8000 mil indígenas no ATL, acredito que este ano os números serão ainda maiores.

 

AP: Qual a atuação das mulheres na ATL – Acampamento Terra Livre?

AMK: É a de luta pela vida, existência e direitos de seus povos. Mas, elas também têm um espaço específico, a plenária das mulheres indígenas. Foi em um espaço da plenária das mulheres no ATL que começou a nascer o que hoje é a Marcha das Mulheres Indígenas. Também foi em uma plenária das mulheres, que diversas pré-candidaturas de indígenas mulheres foram lançadas para eleições do ano passado.

 

AP: Qual a importância da articulação das indígenas mulheres?

AMK: As mulheres vêm lutando junto aos parentes homens pelo fortalecimento do conhecimento e da ancestralidade de seus povos. Vem defendendo seus direitos de acesso à saúde e educação. Vem defendendo a demarcação e proteção dos territórios.

Os movimentos de mulheres indígenas não são algo separado das demandas que atingem a todos da comunidade.

Mas, as articulações de mulheres indígenas, também surgem como espaços de segurança, onde as mulheres dentro e fora dos territórios podem se organizar para dialogar assuntos específicos, como a saúde do corpo feminino e a violência de gênero.

 

AP: Quais as expectativas com o novo governo e ministério inédito?

AMK: As minhas expectativas são com relação as parentas que estão ocupando esses múltiplos espaços na política. Não apenas no ministério, porque há parentas que também estão em secretarias estaduais. A expectativa é que ocupando os espaços em que as políticas públicas governamentais são desenvolvidas, estas mulheres possam contribuir para a extinção do genocídio dos povos originários, na demarcação de Terras Indígenas e em políticas que garantam nosso acesso a uma legislação que proteja as mulheres contra violência, acesso a saúde, educação, preservação de nossas línguas e ciências.

 

AP: Quais autoras indígenas você recomenda para alguém que quer conhecer mais?

AMK: Atualmente, estou me dedicando bastante a ler o que as indígenas mulheres escrevem sobre si, suas comunidades e movimentos. Entre as que estou lendo no momento indico Elisa Pankararu, Braulina Aurora, Joziléia Kaingang, Sandra Benites, Nelly Dollis, Luana Kumaruara, e Eliane Potiguara