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Pedagogia da Crueldade: A Mudança Climática e as Mulheres

Faz um tempo que eu, Rita, escrevi sobre as relações cruéis envolvendo ecocídio e feminicídio. O texto, A Floresta queima, as Mulheres queimam: ecocídio e feminicídio possuem a mesma natureza”,publicado pela Amazônia Real, foi de extrema importância para percebemos o eixo de dominação masculina que existe entre estes dois fenômenos. Apesar de ter se passado quatro anos desde a divulgação desse artigo, pouco mudou em relação a essas situações. Continuamos vendo mulheres mortas e a natureza sendo destruída.

Em reportagem recente da BBC Brasil, o jornalista Leandro Prazeres conversou com mulheres indígenas do Alto Rio Negro, no Oeste do Amazonas, que relataram como a seca na região, acompanhada de altas temperaturas e falta de chuvas, tem mudado o trabalho delas na roça, o que coloca em risco a alimentação de comunidades inteiras.

Lá, são as mulheres que cuidam da plantação e do trabalho nos roçados, enquanto os homens são responsáveis pela pesca e caça. O tempo hostil que atinge a região fez as mulheres mudarem a forma de plantio, sendo a maior alteração na jornada de trabalho, modelo seguido há várias gerações de mulheres. O sol forte não as deixa cuidar da roça após as 10h da manhã e antes das 16h, o que tem reduzido o volume da produção de alimentos.

Além da seca e dos estragos causados que afetam mulheres e suas famílias, a região também é marcada por violências e tragédias. De acordo com a pesquisa Violência na floresta amazônica brasileira, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de homicídios na região amazônica, em 2021, foi 38% mais alta do que no restante do país. Sendo 30,9 mortes violentas por 100 mil habitantes contra 22,3 no Brasil.

O mesmo estudo mostra como a violência tem se interiorizado, o reflexo da falta de governança e de estruturas de segurança pública deixam a região à mercê do crime organizado e sua atuação com crimes ambientais (desmatamento, garimpo ilegais, grilagem de terras, etc).  A proteção da floresta demanda também a garantia da vida e da cidadania da população que vive nesse território, afirma o relatório.

Em outro trabalho também feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, mostrou que a maior taxa de homicídios femininos, no recorte por região do Brasil, está no Norte do país, com 5,7 casos para cada 100 mil mulheres, enquanto a média nacional reside em 3,9 por 100 mil. Já para os feminicídios, apesar de não ter a maior taxa verificada – marca da Região Centro-Oeste, com 2,0 casos para cada 100 mil mulheres – o Norte está acima da média nacional, com 1,5 feminicídios por 100 mil mulheres.

 Munidas destas informações e dados, queremos propor, nesta reflexão, que possamos considerar que entre as Mudanças Climáticas e as Mulheres há outros eixos de dominação, que formam o que Rita Segato chama de Pedagogia da Crueldade. É importante destacar que para a autora, o pacto de masculinidade é para refletirmos as causas da violência contra mulher, mas eu penso que podemos ampliar este conceito e considerá-lo também para a Mudança Climática.

Segundo Segato, haveria quatro ou mais potencialidades neste pacto, que aliado à dominação de A sobre B formariam uma espécie de gráfico. Assim, o domínio sobre a natureza e as mulheres teriam dois grandes eixos que se combinam entre si e se pactuam no processo de violência.

O primeiro deles seria a potencialidade econômica, a necessidade de dominar pelo poder econômico e ser engolida pelo perverso valor do lucro acima de tudo, da vida em natureza (animais, rios, floresta…) e sobre os corpos das mulheres.

O segundo seria a potencialidade política, aquela que ocupa os lugares estratégicos e governam para si e seus interesses. Com um pouco mais de 80% das cadeiras de congressos e de espaços públicos – em alguns lugares chega a 100% – legislam para o capital destrutivo e a manutenção de privilégios.

O terceiro seria a potencialidade intelectual, pesquisas e doutores que trabalham para manutenção da desigualdade de gênero na ciência. Há também uma atuação para valorizar o conhecimento de dominação e destruição do meio ambiente, instrumentalizando o conhecimento científico para os seus ideais, e infelizmente, o único validado pela sociedade. E quem será que está à frente desta produção de conhecimento?

O quarto seria a potencialidade simbólica. A simbologia construída por traz de uma ideia que é totalmente frágil, como é a virilidade masculina, sobre a qual é possível desenvolver economicamente de forma humanizada. Ou seja, a invasão de território, o marco temporal, a não descriminalização do aborto e por aí vai, não entraria em questão, pois atrapalha valores capitalistas, cristão e de potencial simbólico. Com isso perpetua um pacto de crueldade sobre os corpos das mulheres e sobre o ambiente, natureza e consequentemente o clima.

Não faltam denúncias e pesquisas que mostram como este modo de operar do capitalismo é devastador, e sua lógica é irreversível. Esta teologia capitalista que defende que é necessário derrubar para desenvolver, mudar curso de rios para construir estradas e hidrelétricas, dizimar um povo inteiro para permitir mineração. 

Por isso, os feminismos falham ao acreditar que a dominação e destruição do ambiente, do qual o clima tem dados sinais de esgotamento, é uma relação apenas de mulheres e homens. Não, não é. E o uso do termo a “pedagogia da crueldade”, expressão cunhada por Rita Segato, serve para nos mostrar a destruição e transformação de todos os valores presente em vidas comunitárias. Deste modo o Capitalismo e o Patriarcado de mercado precisam desta pedagogia para agir.

Como diz Rita “É, nesse sentido, o exercício da crueldade sobre o corpo das mulheres, porém que também se estende a crimes homofóbicos ou transfóbicos. Todas essas violências, não são outra coisa que o disciplinamento que as forças patriarcais impõem a todos que moramos à margem da política, de crimes de alta intensidade, contra tudo o que desestabiliza. Nesses corpos escreve-se a mensagem doutrinadora que esse capitalismo patriarcal de alta intensidade necessita impor à sociedade”.

            Estes crimes são crimes de poder que abusa, mutila, extermina tudo a sua volta. Enquanto existir este modo operante, a vida humana e no planeta terra estará em perigo.

O que soa contraditório visto que o Capital e o Patriarcado precisam da vida humana para se reproduzir.

            É preciso frear tudo isso, e nós da As Pensadoras acreditamos que uma das formas de acabar com esse avanço terrível é por meio da Pedagogia Feminista. Defendemos o envolvimento de todas as mulheres na luta e organização pela vida, em todas as suas dimensões, para isso que existimos e vamos continuar reexistindo @aspensadorasoficial.