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Por que a universidade e a sociedade odeiam tanto a maternidade?

Na última semana do ano de 2023, tomamos conhecimento da história da professora e pesquisadora Maria Caramez Carlotto, de 40 anos. Ela atua na Universidade Federal do ABC, na Grande São Paulo, e recebeu o seguinte parecer ad hoc emitido em resposta ao pedido de bolsa produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq):

“O proponente não teve projetos de pesquisa financiados pelo CNPq, como universal, nem projetos individuais Fapesp após seu ingresso na UFABC. Não realizou pós-doc no exterior. Provavelmente suas gestações atrapalharam essas iniciativas, o que poderá ser compensado no futuro”.

Maria Carlotto é mestre e doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), e está pleiteando uma bolsa de produtividade do CNPq. O edital é ofertado desde os anos 70 e é uma importante forma de apoio à pesquisa e de reconhecimento de cientistas que se destacam em sua área.

Apesar das mulheres serem a maioria nos cursos de mestrado e doutorado, 54,2%, elas são a minoria nos quadros de professores desses cursos, 43%, segundo dados da Capes de 2021. Um levantamento da Parente in Science, mostrou que a participação de mulheres em bolsas de produtividade teve uma pequena alteração nos últimos 20 anos, que foi de 33,4% em 2004 para 35,6% em 2023, seguindo como a menor parcelas a serem aprovadas nesse tipo de edital.

Ainda segundo o mesmo estudo, as mulheres submetem menos pedidos de bolsa produtividade que os homens, além de terem menos pedidos deferidos dentre aqueles submetidos, elas (41% em 2021) apresentam menor taxa de sucesso do que os eles (45,7%).

Eu, Rita Machado, professora, pesquisadora e pós-doutora, me solidarizo com a colega Maria Caramez Carlotto. Mas posso dizer que não me surpreendi, não foi a primeira vez que vi esse tipo de tratamento para mulheres cientistas. Acontece que pareceres como o recebido pela colega Maria Carlotto, não é um fato isolado.

Eu diversas vezes escondi minha maternidade com medo das oportunidades, e isso é uma verdade muito dolorosa. Eu passei em 1º lugar em duas instituições públicas para o doutorado, e pasmem, grávida de 8 meses do meu filho Santiago. A pergunta que veio de uma das bancas de seleção foi: “como você vai fazer para fazer o doutorado e cuidar da criança?”. Eu fiquei muito sem reação na hora, mas respirei fundo e respondi: “vou fazer como toda mãe trabalhadora faz – trabalhar e criar meu filho!”. É tão violento que desde então, eu pouco falei dos meus filhos na universidade.

Todas nós somos obrigadas a parir neste sistema capitalista-religioso. Desde muito cedo eu dizia que não gostaria de ter filhos, que eu optaria por estudar. Pois até esta separação o sistema produz. Há uma contradição entre mulheres que são mães e querem se tornar intelectuais. Heleieth Saffioti chama isso de separação entre ciência e mulheres e nos pergunta “a quem interessa esta separação?”. Frederici vai afirmar que ser mãe nesta sociedade, “faz parte de um longo processo de condicionamento que ainda e sempre exerceu controle sobre nossos corpos”.

Só consegui me assumir como uma mãe cientista, muito tempo depois de ter meu título de doutora, só depois que estava concursada, com trabalho fixo. Por muitos anos tive que ouvir piadas, injustiça, hostilidade, e o mais grave de todos, sempre tive que estudar 3x mais que meus colegas homens para provar que eu era capaz. Foi e é muito cansativo.

A maternidade não nos atrapalha, CNPq, CAPES, FAPEAM e colegas! O que nos atrapalha e impede nossas carreiras é a completa rejeição dos nossos corpos neste lugar chamado Universidade. O que atrapalha são as reuniões agendadas sempre para os horários que precisamos ser mães. O que me atrapalhou foi a falta de um espaço para amamentar meus três filhos, trocar fraldas e até conversar sobre estas questões. O que nos atrapalha é um sistema patriarcal violento que insiste em te dizer o tempo todo: aqui não é o seu lugar! Um contexto violento, desgastante e autodestrutivo.

E desejo sinceramente que as universidades de todo Brasil pensem política para nós mulheres, pois faltam movimentos feministas na pesquisa. Deixo como exemplo o Programa Mulheres na UEA que coordeno, um projeto de luta, estudo e organização coletiva que nos permite encontrar um terreno comum e dar forma a uma versão inclusiva de universidade e ciência.