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A culpa não é da mulher, não é da roupa e nem de onde ela está!

Por Rita Machado e Fernanda de Paula

Ela não estava no lugar errado, nem na hora inadequada. Uma vítima nunca é culpada, a culpa nunca é da mulher, sempre é do assediador, do estuprador, do criminoso. As mulheres, desde muito cedo, foram educadas a sentir culpa e a sentir medo, porque, afinal de contas, a sociedade as ensina isso, a família ensina isso. Você precisa ter medo de falar, você precisa ter medo de se vestir, você tem que cruzar as pernas.

Essa ideia de que as mulheres são culpadas vem desde a mitologia grega, dos textos mitológicos e religiosos, em que a figura feminina e da mulher sempre foi submetida à ideia de culpada, a culpada pelo não casamento, pelas guerras. As grandes deusas são mulheres retratadas nesses mitos e textos filosóficos como a grande culpada. Não era possível que as mulheres tivessem outra função que não fosse a de ser a responsável pelas coisas ruins. Essa definição vem desde que o pensamento ocidental existe, por isso é muito importante entendermos essa origem.

Histórias que influenciam na realidade dos dias atuais, de janeiro a junho de 2023 foram registrados 722 feminicídios no Brasil, é o equivalente a quatro mulheres perdendo a vida por dia apenas por serem mulheres, segundo dados do Fórum Nacional de Segurança Pública. Os casos de estupro com vítimas mulheres, foram de 34.000 no mesmo período, isso significa que a cada 8 minutos uma menina ou mulher foi estuprada. Outra importante informação vem de um estudo da plataforma Money Transfer, realizado em 2023, apontando que o Brasil é o terceiro destino mais perigoso para mulheres que viajam sozinhas.

Caso Yasmim Brunet e Julieta Fernandez

Se a culpa sempre foi e é da mulher, logo elas não podem manifestar seus desejos, elas não podem mostrar seus corpos, elas não podem botar batom vermelho, porque isso vai despertar um desejo nos homens e ela vai ser culpada por conta do descontrole dos homens, deles cometerem crimes.

Como é o caso do Big Brother Brasil, a culpa da Yasmin Brunet que tem um piercing nos seios, “ela me excita” disse um dos participantes. Então a culpa é da mulher, ou seja, os homens naquela ideia natural de que nascem já com o desejo do sexo, da dominação do corpo da mulher. No caso da Julieta Hernandez, que foi estuprada e assassinada porque ela estava viajando sozinha no lugar errado. Eu vejo aquele corpo dormindo na rede e eu posso dominá-lo, matar ele e depois jogá-lo fora, como se fosse um objeto, qualquer coisa.

Como se mulheres não pudessem viajar sozinhas, como se elas devessem ficar em casa trancafiadas ou em exercícios que não mostrem o seu corpo, que não mostrem a sua capacidade de liberdade, de ir e vir. É uma reflexão muito importante para a gente compreender que a culpa foi dada para a mulher carregar. Tudo que acontece em relação à ordem do cuidado, do trabalho doméstico, da vida das mulheres, é culpa dela.

Alguém pode vir dizer que podem acontecer os mesmos fatos com os homens, um homem ser morto durante uma viagem. Mas são poucos casos, no meio de centenas de vítimas mulheres. O medo de andar sozinha, de pegar uma bicicleta e viajar pela América Latina só elas sabem como é. Porque infelizmente é uma realidade dessa sociedade patriarcal, que foi ensinado.

A liberdade foi dada aos homens, que nascem livres, quer dizer aos homens brancos e héteros, e às mulheres foi dada a culpa e o medo. Os homens nascem livres e privilegiados porque eles não sentem medo, como as mulheres sentem.

Quando uma mulher ousa romper com esse medo, botar esse corpo publicamente ela é violada, estuprada, morta.  Quando uma mulher ousa colocar o seu corpo e a sua voz numa tribuna pública ela também sofre inúmeras violências políticas de gênero. Questões que estão colocadas historicamente na sociedade e na forma como as pessoas pensam de fato.

A figura da mulher sempre esteve ligada ao mal, à culpa. É ela quem traz a maldade ao mundo, isso está nos textos mitológicos, filosóficos, depois religiosos, com o nascimento da ciência. Nos textos de Darwin, ele considera a figura feminina e da mulher inferior. É um modo de pensar que está nos pensamentos, nos textos. E os mais famosos e mais influentes é o mito de Pandora e de Eva, duas mulheres que apenas por serem mulheres trouxeram o mal ao mundo.

O mito do mal e da culpa de Eva e Pandora

Após o titã Prometeu, defensor da humanidade e conhecido por sua inteligência, roubar o fogo de Zeus e entregá-lo aos mortais. Zeus ficou muito zangado e com ajuda de todos os deuses, deu a tarefa de criar Pandora para Hefesto, deus do fogo e dos metais, e Atena, deusa da justiça e da sabedoria. Pandora era a primeira mulher a viver com os homens na terra e recebeu qualidades como graça, beleza, inteligência, paciência, meiguice, habilidade na dança e nos trabalhos manuais.

Ganhou de Zeus uma caixa e a recomendação de nunca a abrir. Dentro da caixa continha todas as desgraças do mundo, guerra, discórdia, ódio, inveja, doenças do corpo e da alma, como também a esperança. A curiosidade de Pandora a fez abrir a caixa e libertar todos os males, ao se arrepender fechou-a e prendeu a esperança também. Esse mito foi transmitido via oral pela obra “Os Trabalhos e os Dias”, de Hesíodo, poeta grego do século VIII a.C.

Já o mito de Eva vem do livro de Gênesis, da Bíblia, que conta a história de Adão e Eva. Deus criou Adão do pó da terra e o colocou no Jardim do Éden, onde Adão recebeu a ordem de poder comer de todas as árvores, menos da árvore do conhecimento do bem e do mal. Eva é criada por meio de uma das costelas de Adão para lhe fazer companhia. Nesse primeiro momento, eles são puros e sem vergonha da sua nudez.

Um dia uma serpente enganou Eva e a fez comer o fruto da árvore proibida, compartilhando a fruta com Adão. Com isso, eles ganham mais conhecimento, mas ao mesmo tempo passam ter acesso às coisas negativas e destrutivas, como o mal e a vergonha. Deus então amaldiçoa a terra e a serpente, e bane Adão e Eva do Paraíso, o Jardim do Éden. Segundo esse mito, a mulher foi a responsável por ceder a tentação, por convencer o homem a pecar. É ela quem causa mal ao mundo, criada para ser inferior e servir a ele, moldada de um pedaço do homem, e não criada pelo sopro divino.

É muito importante que a gente diga que a culpa não é nossa. A liberdade é algo que a gente precisa ainda lutar muito para conquistar.