Drica Madeira
Professora substituta do departamento de Ciência da Literatura
na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Bolsista de pós-doutorado FAPERJ NOTA 10.
O corpo das mulheres é a terceira colônia, além dos estados colonizados e da natureza
submetida. Durante as últimas décadas, os países latino-americanos passaram por um
conjunto de reformas neoliberais que fortaleceram o extrativismo e a divisão internacional do
trabalho e sua precarização subjugando as maiorias empobrecidas. As mulheres pobres,
mestiças, negras, indígenas e camponesas, sem dúvida, foram as que mais sentiram. Sobre o
seus corpos recaiu o peso do trabalho doméstico e reprodutivo (não reconhecido), suas
demandas se fragmentarem, suas identidades foram invisibilizadas e passaram a ser clientes
precárias dos serviços privatizados.
Nesse contexto, vemos o crescimento da violência contra as mulheres, que constitui uma das
principais formas de violação dos seus direitos humanos. O conceito definido na Convenção
de Belém do Pará (1994) já apontava para a amplitude da violência sofrida pelas mulheres,
definindo violência contra as mulheres como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero,
que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito
público como no privado”.
Além das violações aos direitos das mulheres e à sua integridade física e psicológica, a
violência impacta também no desenvolvimento social e econômico de um país. No Brasil, um
dos instrumentos mais importantes para o combate e enfrentamento da violência doméstica e
familiar contra as mulheres é a Lei Maria da Penha (Lei Federal nº 11.340/2006), que, além
de definir e tipificar as formas de violência, também prevê a criação de serviços
especializados, como os que integram a Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher.
A campanha Agosto Lilás foi criada em referência ao sancionamento da Lei Maria da Penha,
assinada no dia 7 de agosto e que este ano completa 18 anos.
O Agosto Lilás é uma importante ação de enfrentamento à violência doméstica e familiar
contra a mulher, com o objetivo de dar visibilidade ao tema e ampliar os conhecimentos sobre
os dispositivos legais existentes. A campanha aborda as diversas formas de violência
doméstica, os direitos das mulheres e a necessidade de promover a equidade de gênero e a
informação é uma ferramenta crucial nessa luta. Conhecer as situações previstas na lei é
fundamental para que tanto as vítimas quanto familiares e amigos possam identificar as
agressões, procurar ajuda, denunciar os crimes e romper com o ciclo de violência.
Mas não é apenas no âmbito doméstico que as mulheres são expostas à situações de
violência. Esta pode atingi-las em diferentes espaços, como a violência institucional, podendo
ser caracterizada desde a omissão no atendimento nas instituições públicas até casos que
envolvem maus-tratos, preconceitos e racismo. O assédio também é uma violência que pode
ocorrer no ambiente de trabalho, onde a mulher se sente muitas vezes intimidada, devido a
este tipo de prática ser exercida principalmente por pessoas que ocupam posições
hierárquicas superiores. Mulheres lésbicas e bissexuais podem sofrer diversos tipos de
violência em função de sua orientação sexual, desde agressões físicas, verbais e psicológicas,
até estupros corretivos. Mulheres transexuais também se tornam alvos de preconceitos e
agressões múltiplas.
Segundo dados do “Dossiê Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais
Brasileiras” de 2022, foram registradas 131 mortes de pessoas trans no Brasil, com 65%
dessas mortes motivadas por crimes de ódio com requinte de crueldade. Além disso, houve
84 tentativas de homicídio, e os estados não têm levantado adequadamente os dados sobre
violência contra a população LGBTQIAPN+, dificultando uma resposta efetiva às agressões.
É importante destacar que uma pessoa transfeminina tem até 38 vezes mais chance de ser
assassinada do que uma pessoa transmasculina ou não binária (Agência Brasil).
O tráfico e a exploração sexual de mulheres, meninas e jovens são práticas alarmantes no
Brasil e representam uma significativa violação dos direitos humanos. Segundo um relatório
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Organização Internacional para as Migrações
(OIM), 96,36% das vítimas de tráfico internacional de pessoas no Brasil são mulheres, com a
maioria sendo exploradas sexualmente. A pesquisa, que analisou 144 processos judiciais
entre agosto e dezembro de 2021, identificou 714 vítimas, das quais 688 eram mulheres
(Portal CNJ). Dados de 2024 mostram que, diariamente, 320 crianças e adolescentes são
exploradas sexualmente no Brasil, e até o momento, mais de 11.600 denúncias de violação
sexual foram registradas este ano. A maioria das vítimas são meninas, predominantemente
negras, e muitos casos não são denunciados, o que agrava ainda mais a situação (Brasil de
Fato).
A luta contra todas as formas de violência contra as mulheres é uma das principais pautas do
movimento feminista no Brasil. Dados recentes revelam que, no primeiro semestre de 2023,
foram registrados 1.410 casos de feminicídio no país, representando um aumento de 10% em
relação ao mesmo período do ano anterior. Coibir, punir e erradicar todas as formas de
violência devem ser preceitos fundamentais de um país que busca por uma sociedade justa e
igualitária.
De acordo com o Instituto Patrícia Galvão, a cada 10 minutos uma menina ou mulher é
estuprada no Brasil, e três mulheres são vítimas de feminicídio a cada dia. Além disso, 26
mulheres sofrem agressão física por hora. No primeiro semestre de 2024, os dados indicam
que a violência contra as mulheres continua alarmante, com aumento nos registros de
feminicídio, violência doméstica e outras formas de agressão (Dossiês do Instituto Patrícia
Galvão). Segundo o Mapa Nacional da Violência de Gênero, a taxa de feminicídios no Brasil
é de 4,8 por 100 mil mulheres, a quinta maior do mundo. De acordo com a Organização
Mundial da Saúde (OMS), o Brasil está entre os dez países com maior número de
feminicídios no mundo, ocupando a quinta posição no ranking mundial. Este levantamento
também revelou que, de 2003 a 2013, o número de assassinatos de mulheres negras cresceu
54%, enquanto os homicídios de mulheres brancas diminuíram 9,8% (As Nações Unidas em
Brasil). A plataforma também destacou que o Sul do país lidera nas solicitações de medidas
protetivas, com 27% das mulheres da região afirmando terem sido vítimas de violência
doméstica (Instituto Avon).
Diante de todos esses números, fica evidente a necessidade de fortalecer as políticas públicas
de proteção e apoio às mulheres, além de promover campanhas de conscientização e
educação para prevenir a violência de gênero. A implementação efetiva da Lei Maria da
Penha e a capacitação das autoridades são passos fundamentais para combater este problema
que afeta profundamente a sociedade brasileira. A denúncia de violência contra a mulher
pode ser feita em delegacias e órgãos especializados, onde a vítima pode buscar amparo e
proteção. O Ligue 180, central de atendimento à mulher, funciona 24 horas por dia, é gratuito
e confidencial. Este canal recebe denúncias e esclarece dúvidas sobre os diferentes tipos de
violência aos quais as mulheres estão sujeitas, proporcionando um meio acessível e seguro
para buscar ajuda.
A campanha Agosto Lilás, em conjunto com a aplicação rigorosa da Lei Maria da Penha,
representa um marco crucial na luta contra a violência de gênero no Brasil. É imprescindível
que a sociedade como um todo se engaje nessa causa, promovendo a equidade de gênero e
garantindo que todas as mulheres vivam livres de violência e discriminação.
Além disso, é importante reconhecer que a violência contra as mulheres está profundamente
enraizada nas estruturas de poder e desigualdade exacerbadas pelo sistema capitalista. Esse
sistema, que prioriza o lucro sobre o bem-estar humano, contribui para a marginalização e
vulnerabilidade de muitas mulheres, especialmente as pobres, negras, indígenas e
LGBTQIAPN+. A transformação social que almejamos deve ir além das políticas públicas
imediatas, buscando a erradicação das desigualdades econômicas e sociais que perpetuam a
violência de gênero. A luta por uma sociedade mais equitativa e humanizada é essencial para
garantir que todas as mulheres possam viver com segurança e respeito, livres das amarras da
opressão e da exploração.