Ana Manoela Karipuna
Antropóloga e Socióloga
Abril é o mês dos povos indígenas, momento do ano marcado por uma das maiores assembleias indígenas do mundo, o Acampamento Terra Livre (ATL), que a 21 anos acontece anualmente em Brasília (DF). Neste ano de 2025 com o tema “A resposta somos nós” reuniu 8000 indígenas para debaterem temas como educação escolar, línguas, emergências climáticas, marco temporal, saúde, comunicação, juventude, mulheres, comunidade LGBTQIA+, entre outros temas que se relacionam ao território. A existência de uma assembleia indígena deste porte e com tamanha diversidade de discussões é fundamental para que os povos originários teçam estratégias que assegurem direitos firmados desde a constituição de 1988 e que são ameaçados diariamente pelo avanço da extrema direita no país. Mas, ainda que um ponto de grande repercussão midiática e de relevância para os povos originários seja o ATL, o movimento e a política indígena são construídos em múltiplos espaços e temporalidades. As lideranças dizem que o movimento é feito desde as bases, ou seja, desde as aldeias. Havendo como vozes do que foi decidido e feito em coletividade nos territórios, as lideranças com incidência regional, nacional e internacional. Dentre estás lideranças, que participam ativamente do ATL, gostaria de destacar mulheres, que são referências, como Ângela Kaxuyana, Alessandra Munduruku, Txai Suruí, Mayalú Txucarramãe, Sônia Guajajara, Joênia Wapichana, O-É Kayapó, Nara Baré, e Samela Sateré-Mawé.
Porém, retornando ao tema do ATL 2025, pode ocorrer o questionamento sobre o que se quer dizer, quando se afirma “que os povos indígenas são a resposta”? O argumento do movimento originários são de que os povos originários são a resposta para as emergências climáticas. Conecto está questão e sua resposta, a um contexto em que há um mundo em que as violações contra o território estão diretamente relacionadas as violações contra os corpos das mulheres. As Terras Indígenas demarcadas são cientificamente comprovadas como espaços em que estão conservadas cerca de 80% da biodiversidade do planeta. A violação destas Terras Indígenas por agentes externos como madeireiros, garimpeiros, fazendeiros e grandes empreendimentos pode implicar na falta de acesso a alimentação saudável, água potável, saúde e educação. Ocasionando contextos de maior vulnerabilidade a violência sexual e o crescente aumento de impactos psicológicos entre as mulheres originárias. O território para os povos indígenas está conectado um bem-viver, é dentro do território que se preservam as culturas e as línguas. Quando o território está ameaçado, os povos indígenas e seus modos de existir também estão. Quando os povos originários afirmam que são a respostas, estão afirmando, que suas culturas são estratégicas contra um eminente ponto de não retorno do planeta.
Um momento de tensão durante a Marcha do ATL, foi a violência sofrida, quando, pacificamente, os povos indígenas participantes desta assembleia se aproximaram do Congresso Nacional, sendo atingidos por bombas de gás e pimenta lançados pela Polícia Legislativa e Polícia Militar do Distrito Federal. Sendo uma das atingidas Célia Xakriabá, Deputada Federal e representante dos povos indígenas na Bancada do Cocar. O movimento de mulheres indígenas posicionou que atingir à Célia foi como atingir a outras mulheres originários e de fato outras mulheres originárias também foram vítimas de ferimento durante este ataque. A violência e o racismo contra os povos indígenas atravessam temporalidades desde a colonização. O ataque é um mecanismo de silenciamento e de tentativa de rompimento e desestabilização do movimento indígena. De disseminar o medo. É inadmissível que os povos originários e que as mulheres originárias, lideranças, sofram violências em quaisquer lugares.
Pontuo, que a Deputada Célia Xakriabá vem pautando no Congresso uma legislação especifica que combata as violências contra meninas e mulheres indígenas e que esteja alinhada as suas culturas. Um dos principais objetivos do movimento de mulheres indígenas, é que esta política de combate e acolhimento se concretize. Ser indígena mulher e sofrer ataques no lugar em que se constroem políticas de combate a vulnerabilidade e empoderamento da mulher é inaceitável.
Porém, quais lições podemos tirar dos abris indígenas? penso sobre isto, pois, está questão ecoa pela vida e resistência de quem escreve este texto. Pois, sou indígena e mulher. O abril, após recorrentes esteriotipos, é ressignificado pelo próprio movimento como um mês de grande visibilidade para as pautas dos indígenas. Nele há a reatualização e os alinhamentos de uma luta pela sobrevivência de conhecimentos e territórios. Uma luta pela sobrevivência de espécies e biomas. Neste mês há o fortalecimento dos encontros entre mulheres originárias, que debatem temas concernentes ao seu empoderamento e ao fortalecimento de suas organizações. As mulheres lutaram bravamente para ter seu espaço reconhecido nos abris. As lições que podemos tirar deste mês junto aos povos indígenas são que as lutas se tecem cotidianamente, independente de um mês ou outro, tecem-se em diferentes instancias e com um aguçado senso de cuidado com o clima. O abril vermelho é a imagem de como os povos indígenas são sábios e fortes.