Por: Rita de Cássia Machado, Fernanda de Paula da Silva
Primeiramente, é necessário entender que os feminismos não buscam a superioridade das mulheres nem mesmo uma única definição e, sim, reivindicam a igualdade social, política e jurídica entre homens e mulheres. Uma maneira mais apropriada de entender e conhecer o tema é se questionar. Ora, se os poderes de homens e mulheres fossem igualmente distribuídos, por que certas questões não têm respostas práticas?
- Por que mulheres morrem por ser mulher?
- Por que a maioria dos altos cargos é ocupada por homens?
- Por que é da mulher a maior responsabilidade pela casa e pelas crianças?
Como observa bell hooks em seu livro O feminismo é para todo mundo, quando a palavra “feminista” é proferida, muita gente se assusta e destila várias mentiras que ouviram de terceiros. Essas pessoas, por si mesmas, nunca foram buscar entender o significado de ser feminista por conta própria, só repetem o que ouvem. “Essas pessoas nem pensam que feminismo tem a ver com direitos – é sobre mulheres adquirirem direitos iguais” (bell hooks, O feminismo é para todo mundo).
Pensando na importância de se aprofundar sobre o tema, a Escola As Pensadoras (@aspensadorasoficial) oferta pelo terceiro ano consecutivo o curso de aperfeiçoamento Feminismos e Mulheres: entre Utopias e Distopias para Outro Brasil. Nessa nova capacitação, os estudos irão se aprofundar mais sobre a luta feminista no Brasil.
Nesse sentido, entendemos que existem dez motivos para estudarmos os feminismos:
Entender, Saber, Conhecer, Refletir, Lutar, Conscientizar, Igualar, Salvar, Reduzir e Fortalecer
1. Entender o que nos oprime e quem nos oprime
Para compreender o feminismo, é necessário entender a inviabilização da atuação das mulheres em diversos setores, mas principalmente nos campos científico e profissional. Entender por que as mulheres ainda são preteridas nas seleções acadêmicas e em cargos de chefia. Entender por que ainda sofrem violência dentro das universidades, como no recente caso da aluna de Jornalismo da Universidade Federal do Piauí (UFPI), estuprada e morta em uma festa universitária.
As mulheres continuam sendo a maior parte das vítimas de estupro. Em 2021, 88,2% das vítimas de estupro e de estupro de vulnerável eram do sexo feminino e 75,5% delas eram consideradas vulneráveis, ou seja, incapazes de consentir, de acordo com a pesquisa Violência contra Meninas e Mulheres no 1º Semestre de 2022, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No primeiro semestre de 2022, 29.285 vítimas de estupro e estupro de vulnerável eram do sexo feminino. “Isso significa que entre janeiro e junho deste ano ocorreu um estupro de menina ou mulher a cada 9 minutos no Brasil” (Pesquisa Violência contra Meninas e Mulheres no 1º semestre de 2022, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública).
2. Saber o básico: dignidade para todas
Estudar o feminismo leva-nos a saber sobre a desumanização da mulher negra, indígena, e da comunidade LGBTQIA+. Leva-nos a saber mais sobre outras realidades diferentes da nossa e entender mais a fundo esse movimento, que não é contra os homens e sim contra o sexismo. Como afirma bell hooks: “Feminismo é um movimento para acabar com o sexismo, exploração sexista e opressão” (bell hooks, O feminismo é para todo mundo). Leva-nos a saber mais como o patriarcado e o capitalismo controlam a vida das mulheres, principalmente mulheres negras e periféricas. Leva-nos a saber que muitas mulheres ainda sobrevivem sem a proteção de políticas públicas básicas como saúde, educação e principalmente segurança. Saber a história dos feminismos é conhecer o caminho percorrido até aqui e entender a necessidade de continuarmos o percurso.
3. Conhecer nossa história
Conhecer a nossa história é conhecer as lutas das mulheres no mundo para buscar diferentes papéis sociais, o reconhecimento profissional, recompensas econômicas iguais. Conhecer o surgimento de coletivos, de organizações não governamentais e de diversas outras iniciativas que lutam pela redução da desigualdade de gênero no mundo. Esse conteúdo faz parte da pesquisa desenvolvida pela professora e doutora Amanda Motta Castro, nossa convidada para a aula inaugural do próximo curso da Escola As Pensadoras (@aspensadorasoficial). Seu projeto de pesquisa intitula-se Redes Feministas na América Latina: Movimento, Ternura, Conflitos e Resistências, em que Amanda tem como foco de investigação as lutas e os movimentos do feminismo no continente, principalmente sob a perspectiva do avanço da extrema-direita nos últimos anos, nos governos dos ex-presidentes Jair Bolsonaro, no Brasil, e de Donald Trump, nos EUA. O objetivo do trabalho é dar visibilidade às redes feministas na América Latina que intensificaram seus trabalhos durantes esses períodos conturbados.
4. Refletir sobre a realidade de opressões
É essencial refletir sobre a própria condição de sermos mulheres e como nosso lugar social, político e econômico foi forjado. Ninguém nasce feminista, feministas são formadas a partir da reflexão, da observação e da constatação do espaço inferiorizado ocupado pelas mulheres na sociedade. Homens e mulheres, ambos foram educados e socializados sob a mesma ótica sexista. A diferença é que os homens se beneficiam dessa construção patriarcal. Como afirma bell hooks: “Antes que as mulheres pudessem mudar o patriarcado, era necessário mudar a nós mesmas; precisávamos criar consciência. É necessário refletir e criar a conscientização feminista revolucionária enfatizou a importância de aprender[UdW4] sobre o patriarcado como sistema de dominação, como ele se institucionalizou e como é disseminado e mantido” (bell hooks, O feminismo é para todo mundo).
5. Conscientizar todas em comunidade
Conscientizar a si mesma que as mulheres (brancas, negras, indígenas, comunidade LGBTQIA+) têm condições políticas, sociais e econômicas muito semelhantes, todas vítimas da opressão. Após o estudo, nos tornamos conscientes de nós mesmas e de nossas lutas em diferentes dimensões, mas semelhantes em sua causa (a dominação do homem branco colonizador, principalmente). A consciência dessa situação nos faz ir em frente e buscar uma melhoria nas condições de todos, não conseguimos mais ver o mundo da mesma forma e nos calar. “Compreender a maneira como a dominação masculina e o sexismo eram expressos no dia a dia conscientizou mulheres sobre como éramos vitimizadas, exploradas e, em piores cenários, oprimidas. […] Através da conscientização, mulheres adquiriram força para desafiar o poder patriarcal no trabalho e em casa” (bell hooks, O feminismo é para todo mundo).
6. Lutar coletivamente contra o machismo
Lutar contra as ideias preconcebidas, naturalizadas e opressoras e conhecer quem veio antes de nós, como o movimento foi crescendo e expandindo a luta. Foi graças à luta daquelas que vieram antes de nós que hoje as mulheres têm acesso a mais direitos. Foram elas que lutaram pelo direito do voto, foram elas que lutaram por uma Constituição brasileira com mais direitos para as mulheres. A participação das mulheres na Constituinte é um dos assuntos abordados no livro Feminismo no Brasil – Memórias de quem fez acontecer, da socióloga Jacqueline Pitanguy e da historiadora Branca Moreira Alves, em que abordam o movimento feminista brasileiro entre os anos de 1960 e 1990, período-chave da luta no país. Pitanguy também estará na aula inaugural falando desse trabalho.
7. Igualar direitos
É fundamental igualar direitos ao mesmo patamar social e de direitos dos homens. Embora as mulheres sejam a maioria da população, a representatividade deles na política é esmagadora. A pouca representatividade na política é fruto do machismo e do patriarcado, que sustentam a ideia de que as mulheres não foram feitas para ocupar esses espaços e, sim, para cuidar da casa. Mulheres são 53% do eleitorado brasileiro, mas, na última eleição, somente 33% dos eleitos eram mulheres. Em comparação a outras eleições, houve um aumento expressivo, mas ainda está longe de ser o ideal. É também a primeira vez que o governo federal conta com tantas mulheres à frente de ministérios, mas ainda com menos cargos de liderança que os homens.
8. Salvar todas nós: queremos-nos vivas!
Vidas. Muitas mulheres são vítimas de violência doméstica e acabam perdendo suas vidas nas mãos de seus parceiros, que as veem como objetos. Segundo a pesquisa Violência contra Meninas e Mulheres no 1º semestre de 2022, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, nos seis primeiros meses de 2022, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio, uma média de 4 mulheres por dia. “Os dados indicam um crescimento contínuo das mortes de mulheres em razão do gênero feminino desde 2019. Em relação ao primeiro semestre de 2019, o crescimento no mesmo período de 2022 foi de 10,8%, apontando para a necessária e urgente priorização de políticas públicas de prevenção e enfrentamento à violência de gênero”, relata o documento. (Violência contra Meninas e Mulheres no 1º semestre de 2022, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022)
9. Reduzir a desigualdade: por justiça social!
Reduzir as injustiças sociais é urgente. Como disse Angela Davis, “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.[UdW8] Então, além de reduzir a igualdade de gênero, o feminismo também tem poder de movimentar outras posições sociais. De acordo com o livro Feminismo para os 99% – Um manifesto, o racismo, o imperialismo e o etnonacionalismo são os pilares mais importantes para a misoginia generalizada e o controle dos corpos das mulheres. É preciso reduzir as desigualdades em todos os âmbitos, porque cada mulher sofre uma opressão diferente e a luta deve ser por todes.
10. Fortalecer todas nós!
Cada mulher fortalecida e sua união com outras mulheres fortes é capaz de muita coisa! Quando ajudamos outra mulher a se reerguer, também nos fortalecemos a nós mesmas, por que é na união de forças que podemos juntas encarar qualquer desafio. Quanto mais se conhece sobre o feminismo, mas as mulheres reconhecem a sua força e a sua potência e ganham mais poderes para lutar e buscar por seus direitos. Reconhecer a importância de que não andamos sós fortalece ainda mais a sororidade e as lutas das mulheres. Já dizia Clarice Lispector: “Quem caminha sozinho pode até chegar mais rápido, mas aquele que vai acompanhado, com certeza vai mais longe”.
Curso Feminismos e Mulheres
“Feminismos e Mulheres: entre Utopias e Distopias para outro Brasil” é o 4º curso de aperfeiçoamento ofertado pela Escola As Pensadoras (@aspensadorasoficial). Com 200h de aulas, a formação busca debater o feminismo brasileiro e se aprofundar sobre ele. O que almejamos para as mulheres do Brasil? Qual a origem do patriarcado brasileiro? São perguntas que serão debatidas pelas professoras ao longo do curso.
Seis disciplinas e um seminário integrado fazem parte da grade curricular, na qual estudos e pesquisas sobre os temas serão apresentados. São eles:
- A Formação Patriarcal no Brasil;
- Indígenas Mulheres: Territórios, Direitos, Movimentos e Políticas;
- Feminismo Decolonial;
- Artes Feministas e Utopias Familiares: Práticas Não Monogâmicas e Pluriparentais;
- Feminismo Negro Latino-americano: Interseções de Saberes para Imaginar Utopias Latino-americanas;
- Mulheres e a Reprodução Social da Vida – Debates em Distintos Gêneros e Perspectivas Feministas sobre Algumas Dimensões: Cuidados; o Trabalho Doméstico e a Maternidade.
A aula inaugural será ministrada no dia 7 de fevereiro, é gratuita e todas as participantes ganharão certificado. Foram convidadas a professora Amanda Motta Castro e a socióloga Jacqueline Pitanguy, com mediação de Rita Machado, idealizadora e coordenadora do projeto da Escola As Pensadoras (@aspensadorasoficial).
Parte do dinheiro investido pelas alunas é revertida em bolsas para mulheres que não podem arcar com o valor do curso. As aulas são ao vivo e gravadas, e todo material fica disponível por 12 meses após o fim do curso.